quinta-feira, 21 de maio de 2009

Algodão - Poema de António Villalobos


Quem diria
que até na história duma camisa
pode existir um toque de magia.
A começar pela pequena semente
que germinou e floresceu num clima quente
num sítio onde não faz frio
só estio
talvez, nas margens dum grande rio.

Muitas horas de sol e ao relento
Fizeram com que aquela semente tão pequena, tão leve
Em vez dum fruto tropical sumarento
Se transformasse num ‘floco de neve’!
Um ‘floco de neve’ que não derreteu
depois, alguém o colheu
outrora alguém de mãos calejadas
hoje em dia por máquinas sofisticadas
de lâminas afiadas.
Armazenado, ensacado, compactado
foi metido no porão dum navio mercante
que sulcou mares até atracar num porto distante.
O ‘floco de neve’ foi descarregado,
desensacado, descompactado
e em fio fino foi transformado.
Tingido, pintado, trabalhado
outrora por mãos costureiras
hoje em dia por máquinas fiadeiras
cada vez mais a mão humana não mete ‘prego nem estopa’
e dum simples fio, dum novelo
eis que surge uma peça de roupa:
uma bela camisa!

Segue-se nova viagem, nova paragem
quiçá até uma boutique,
bem chique
algures dum centro comercial da capital.
A camisa é posta na montra, no mostruário
para que um transeunte se apaixone por aquela peça de vestuário.
no principio tudo ‘corre sobre rodas’
o modelo, o padrão, as cores, as modas
a camisa vai às festas e aos eventos
ocasiões especiais e até casamentos.

Depois vêm as lavagens, os detergentes
E com tanto enxaguar, centrifugar
As cores até começam a ficar diferentes
pálidas, mortiças, desbotadas
a camisa já não serve para ir a festas mais requintadas
já não é uma peça de roupa nobre
e parece até roupa de pobre,
‘Velhos são os trapos’!
Parece uma fatalidade, uma grande verdade
mas para que a história desta camisa não tenha um final
igual a tantas outras
que tal apostar na reciclagem de roupas?

António Villalobos
20 de Maio de 2009

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